CDA não pode ter fundamento normativo alterado, diz STJ
A discussão sobre a atuação da Fazenda Pública na cobrança de créditos tributários ganhou novo capítulo com o recente julgamento do Tema Repetitivo nº 1.350 pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Corte foi chamada a decidir se seria possível à Fazenda substituir ou emendar a Certidão de Dívida Ativa (CDA) antes da sentença nos embargos à execução fiscal para alterar ou complementar o fundamento legal do tributo cobrado.
Por unanimidade, o STJ negou essa possibilidade, entendendo que a ausência ou erro na fundamentação da CDA representa vício substancial, e não mera irregularidade formal.
Com isso, a Corte firmou a tese de que a Fazenda não pode revisar a própria constituição do crédito tributário por meio de simples substituição do título executivo.
Mas afinal, o que muda na prática com esse entendimento? E por que a fundamentação jurídica da CDA é considerada um elemento fundamental e insuscetível de correção posterior?
Siga a leitura para entender a decisão.
O que é a Certidão de Dívida Ativa (CDA)?
A CDA é o documento que formaliza a inscrição do crédito tributário ou não tributário em dívida ativa, constituindo o título executivo extrajudicial que embasa a execução fiscal. É, portanto, o instrumento que materializa a cobrança judicial de tributos devidos ao poder público.
Para que tenha validade, a CDA deve preencher os requisitos previstos no artigo 2º, §5º, da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais) e no artigo 202 do Código Tributário Nacional (CTN), entre eles a indicação do fundamento legal do crédito tributário.
Esse fundamento não é mero detalhe: ele é o elo entre o fato gerador e a norma que autoriza a cobrança. Sem essa base jurídica corretamente indicada, o título perde consistência e fere o direito de defesa do contribuinte.
O que estava em discussão no STJ?
Os três recursos representativos da controvérsia tratavam de situações distintas, mas com o mesmo ponto em comum: a tentativa da Fazenda Pública de alterar a fundamentação legal da CDA após a sua emissão.
Nos casos analisados, discutia-se:
- a substituição de CDA para mudar leis e decretos que compõem a Planta Genérica de Valores usada no cálculo do IPTU;
- a alteração dos dispositivos de lei, quando a cobrança se referia a ISSQN, e não a IPTU;
- e a inclusão de fundamentos jurídicos além do Código Tributário do município exequente.
Em todas essas hipóteses, a Fazenda buscava “corrigir” o título executivo já constituído, ajustando a base normativa que sustentava a exigência tributária.
O problema é que tais mudanças não se tratavam de simples erros formais, como equívocos de grafia ou numeração, mas de modificações substanciais, capazes de alterar o próprio fundamento jurídico do crédito.
A divergência entre o TJ-SC e o STJ
O julgamento foi motivado por uma divergência expressiva entre o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) e o STJ.
O Grupo de Câmaras de Direito Público do TJ-SC, ao julgar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) Tema nº 24/TJSC, havia admitido que a Fazenda Pública poderia corrigir, incluir ou complementar a fundamentação legal da CDA.
Por outro lado, o STJ, ao firmar a Súmula nº 392 e o Tema Repetitivo nº 166, já havia estabelecido que a substituição da CDA é possível apenas para corrigir erro material ou formal, vedada qualquer modificação que atinja o sujeito passivo ou o próprio conteúdo da obrigação tributária.
Essa contradição exigia uma definição unificada da Corte Superior, para orientar os tribunais e uniformizar o entendimento.
O fundamento do novo entendimento (Tema 1.350/STJ)
A 1ª Seção do STJ, ao julgar os recursos sob o rito dos repetitivos, reafirmou e ampliou o entendimento já firmado.
Segundo o relator, ministro Gurgel de Faria, a falta de fundamentação correta não é um simples erro formal, mas sim uma grande falha que compromete a validade do lançamento tributário e da inscrição em dívida ativa.
Isso porque o título executivo deve refletir, de maneira exata, a relação jurídica entre o fisco e o contribuinte. Se a norma jurídica que embasa a cobrança for alterada, estar-se-á diante de novo lançamento, e não de mera correção documental.
Nas palavras do relator, a deficiência na fundamentação legal “contamina o ato de inscrição e/ou de lançamento que lhe é subjacente”, sendo um vício material insanável.
A relação entre o Tema 1.350/STJ e a Súmula 392/STJ
Um ponto de dúvida levantado após o julgamento foi se o novo tema repetitivo alteraria a jurisprudência já firmada pelo STJ.
Na realidade, a decisão não muda o conteúdo da Súmula nº 392/STJ, nem o entendimento do Tema Repetitivo nº 166/STJ. O que o Tema nº 1.350 faz é complementar e tornar vinculante a impossibilidade de alteração da fundamentação jurídica do crédito tributário.
Enquanto os precedentes anteriores tratavam apenas da impossibilidade de substituição da CDA para mudar o sujeito passivo ou corrigir erros materiais, o novo julgamento detalha que a modificação do fundamento também está vedada — mesmo que a substituição seja requerida antes da sentença nos embargos à execução fiscal.
Diferença entre erro formal, erro material e vício substancial
Para compreender o alcance da decisão, é preciso distinguir esses conceitos.
- Erro material ocorre quando há um equívoco de digitação, numeração ou valor, sem interferir no conteúdo do crédito. É passível de correção.
- Erro formal envolve aspectos burocráticos, como a ausência de assinatura ou de informação acessória. Também pode ser corrigido.
- Vício substancial, por sua vez, atinge a própria essência do crédito, e é o caso da ausência ou incorreção da fundamentação jurídica. Esse tipo de falha torna o título inválido, exigindo novo lançamento.
Repercussões da decisão
A tese firmada pelo STJ tem impacto direto sobre milhares de execuções fiscais em andamento.
Com o novo entendimento, a Fazenda Pública fica impedida de alterar a base normativa da cobrança após a inscrição da dívida.
Isso impõe maior rigor na fase de lançamento e inscrição, exigindo que o crédito seja constituído com base clara e precisa.
Conclusão
Ao julgar o Tema Repetitivo nº 1.350, o STJ firmou o entendimento de que a fundamentação normativa da CDA é elemento fundamental e insuscetível de correção posterior.
Na prática, a Fazenda Pública deve redobrar a atenção ao constituir o crédito tributário, sob pena de ver o título executivo declarado nulo.
E, para os contribuintes, o precedente oferece mais segurança e previsibilidade no enfrentamento de execuções fiscais baseadas em títulos irregulares.
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