Guia Jurídico

A inclusão do ISS, PIS e COFINS na base de cálculo do ISS

Homem usando calculadora

Em recente decisão unânime, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou um recurso que questionava a inclusão do Imposto sobre Serviços (ISS), do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) na base de cálculo do próprio ISS. 

Esta análise visa explorar as nuances desse julgamento do STF, os fundamentos jurídicos aplicáveis e as implicações práticas para as empresas prestadoras de serviços

Além disso, abordaremos as possíveis repercussões futuras diante das múltiplas ações ainda em tramitação, conhecidas como “teses filhotes”, derivadas da decisão original sobre a base de cálculo do PIS e Cofins.

Base de cálculo do ISS deve incluir ISS, PIS E COFINS

O caso teve início com uma ação movida por uma incorporadora que questionava a constitucionalidade do artigo 14 da Lei nº 13.701/2003, editada pelo município de São Paulo

Essa norma estabelece que a base de cálculo do ISS (Imposto sobre Serviços) deve corresponder à receita bruta do serviço prestado, incluindo tributos como o próprio ISS, o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social)

A inclusão desses tributos na base de cálculo do ISS eleva diretamente a carga tributária para as empresas prestadoras de serviços, intensificando os custos operacionais e impactando a competitividade no setor.

A incorporadora argumentava que essa definição imposta pela legislação municipal contrariava a Lei Complementar nº 116/2003 — conhecida como a Lei do ISS. De acordo com essa lei complementar, a base de cálculo deve ser o preço do serviço, sem qualquer menção à inclusão de outros tributos. 

A empresa sustentou que a legislação municipal estaria extrapolando sua competência ao incluir tributos federais na base de cálculo do ISS, indo de encontro ao princípio da legalidade tributária e à necessidade de que alterações nesse sentido sejam realizadas apenas por meio de lei complementar, conforme determina o art. 146, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal.

Esse dispositivo constitucional estabelece que a definição de tributos e suas respectivas bases de cálculo deve ocorrer exclusivamente por meio de lei complementar, assegurando uniformidade nas regras tributárias em todo o território nacional. 

Além disso, a incorporadora sustentava que a inclusão de tributos na base de cálculo do ISS estaria contrariando frontalmente o entendimento já consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na chamada “tese do século” (RE 574706). 

Nesse julgamento histórico, o STF decidiu pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, considerando que, em sendo a base de cálculo dessas contribuições a receita bruta ou o faturamento das empresas, o ICMS não poderia compor tal base, por se tratar de valor que apenas transita pelo caixa das empresas, sem configurar receita, uma vez que não adere definitivamente ao seu patrimônio. 

Essa decisão, com impacto fiscal bilionário, reforçou a necessidade de uma interpretação restritiva quanto à composição das bases de cálculo tributárias, abrindo precedentes para discussões posteriores sobre outros tributos, como o ISS.

Outro ponto levantado pela defesa da incorporadora foi a incompatibilidade da legislação municipal com a Súmula Vinculante nº 8 do STF, que trata da competência legislativa para a definição de tributos. 

Isto porque a tentativa de ampliação da base de cálculo do ISS por meio de uma lei municipal desrespeitaria a competência privativa da União para legislar sobre matéria tributária de âmbito nacional, especialmente quando envolve tributos federais como o PIS e a Cofins

Essa posição visava reforçar o argumento de que a Lei nº 13.701/2003 deveria ser declarada inconstitucional, com base na usurpação de competência legislativa definida pela Constituição Federal.

No entanto, a decisão unânime da 2ª Turma do STF, ao rejeitar o recurso da incorporadora, fortaleceu o entendimento de que a base de cálculo do ISS deve incluir o próprio ISS, o PIS e a Cofins, conforme previsto na Lei nº 13.701/2003 e respaldado pelos precedentes do STF

Siga para entender como foi o julgamento!

 

O que o STF decidiu sobre a base de cálculo do ISS

Durante o julgamento, o ministro Gilmar Mendes, relator do processo, destacou que o tema já havia sido amplamente discutido na ADPF 190 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), julgada em 2016

Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de leis municipais que promoviam a exclusão de valores da base de cálculo do ISS (Imposto sobre Serviços) fora das hipóteses previstas em lei complementar

Essa decisão consolidou o entendimento de que somente uma lei complementar nacional possui competência para definir a base de cálculo dos tributos municipais, afastando qualquer tentativa de inovação legislativa por parte dos municípios.

Além da ADPF 190, o ministro Gilmar Mendes fez referência a outro precedente relevante, a ADPF 189, julgada em 2020, que reafirmou a mesma linha de raciocínio. 

Nessa decisão, o STF reiterou que a competência tributária municipal deve ser exercida dentro dos limites estabelecidos pela Constituição Federal e pelas leis complementares nacionais, impedindo que leis municipais estabeleçam critérios próprios para a composição da base de cálculo do ISS

Essa uniformização das regras busca evitar disparidades tributárias entre os municípios, promovendo uma maior segurança jurídica e previsibilidade para os contribuintes.

Gilmar Mendes também ressaltou a aplicação da Súmula nº 280, que impede a análise, por meio de recurso extraordinário, de questões relativas a direito local

Essa súmula estabelece que o STF não deve se pronunciar sobre interpretações de legislação municipal quando não houver ofensa direta à Constituição Federal. 

Para o ministro, a controvérsia sobre a inclusão dos tributos — como o próprio ISS, o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) — na base de cálculo do ISS constitui matéria infraconstitucional

Em sua visão, a manutenção da legislação municipal de São Paulo encontra respaldo na jurisprudência consolidada do STF, não configurando uma violação direta aos princípios constitucionais.

Essa interpretação é particularmente significativa no contexto das discussões originadas pela chamada “tese do século” (RE 574706), na qual o STF decidiu pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins

Ao aplicar uma distinção clara entre as competências municipais e federais, Gilmar Mendes buscou afastar paralelos diretos entre a exclusão do ICMS e a inclusão de PIS e Cofins na base de cálculo do ISS, argumentando que a situação do ISS possui peculiaridades próprias que justificam um tratamento diferenciado. 

Essa linha argumentativa reforça a necessidade de interpretação específica para cada tributo, levando em consideração as características e competências definidas pela Constituição Federal.

Em nota, a Procuradoria Geral do Município (PGM) de São Paulo reforçou que a inclusão dos tributos federais na base de cálculo do ISS está em conformidade com o STF, especialmente após a ADPF 190, que reafirmou a competência exclusiva da lei complementar nacional para definir a base de cálculo do ISS

A PGM defendeu que a interpretação adotada pela legislação municipal visa garantir a equidade tributária e evitar lacunas que possam comprometer a arrecadação municipal. 

Além disso, a nota destacou que a manutenção da base de cálculo atual é essencial para assegurar os recursos necessários ao financiamento das políticas públicas municipais, especialmente nas áreas de saúde, educação e infraestrutura.

Essa posição também encontra apoio nas declarações da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que ressaltou o impacto potencial de uma eventual mudança na base de cálculo do ISS

De acordo com a PGFN, uma decisão favorável aos contribuintes poderia abrir precedentes para a revisão de outras bases de cálculo envolvendo tributos municipais, aumentando significativamente a quantidade de “teses filhotes” derivadas da “tese do século”

Atualmente, existem 72 discussões tributárias dessa natureza em tramitação no STF, e a maioria das decisões já proferidas tem sido favorável à União.

 

A “tese do século” e as “teses filhotes”

O julgamento ganha relevância no cenário tributário brasileiro por se conectar diretamente com os desdobramentos da “tese do século”. Esse precedente emblemático determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins, impondo um impacto econômico bilionário para a União

Atualmente, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) monitora cerca de 72 ações derivadas desse entendimento, conhecidas como “teses filhotes”. A maior parte dessas discussões tem sido resolvida em favor da União, mas tributaristas ainda veem possibilidades de êxito para os contribuintes em casos futuros.

Entre essas discussões, destaca-se o Tema 118 (RE 592616), que busca a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e Cofins. A estimativa da União é que uma decisão favorável aos contribuintes nesse caso representaria um impacto fiscal de R$ 35 bilhões. Este julgamento (Tema 118), que  conta quatro votos dos Ministros do STF favoráveis à tese dos contribuintes, quando encerrado terá efeitos para todas as empresas prestadoras de serviço.

 

Impactos da decisão sobre ISS

A decisão da 2ª Turma do STF, vale reforçar, não tem efeitos imediatos para empresas prestadoras de serviços, uma vez que não foi proferida pelo Plenário daquela Corte, mas representa um importante precedente favorável ao governo, que deverá ser utilizado em outras ações semelhantes. 

Esse entendimento amplia a carga tributária incidente, exigindo um planejamento tributário mais eficiente para mitigar os custos adicionais.

Empresas que atuam no setor de serviços — especialmente aquelas com margens de lucro mais reduzidas — podem enfrentar desafios significativos para manter sua competitividade

Nesse cenário, alternativas como a recuperação de crédito tributário e a análise detalhada das obrigações acessórias ganham relevância estratégica. Além disso, a assessoria jurídica especializada torna-se essencial para evitar riscos fiscais e assegurar a conformidade tributária.

Conclusão

A continuidade das discussões no STF sobre a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e Cofins, aliada às demais “teses filhotes”, evidencia que o direito tributário brasileiro permanece dinâmico e sujeito a reavaliações constantes.

Para empresas e profissionais da área tributária, manter-se atualizado sobre as decisões do STF e os desdobramentos legislativos torna-se essencial. 

O cenário reforça a importância de um planejamento tributário proativo e de uma assessoria jurídica especializada, capazes de minimizar riscos e otimizar a carga tributária dentro dos limites legais.

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