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Tributação de lucros no exterior: o impacto dos tratados internacionais e a disputa entre Vale e União

Imagem: Freepik

A recente retomada do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tributação dos lucros de coligadas e controladas no exterior coloca em evidência um tema crucial para o ambiente de negócios no Brasil. A controvérsia, que envolve diretamente a mineradora Vale e a União, discute a constitucionalidade da incidência do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) sobre os resultados das subsidiárias da empresa em países como Bélgica, Dinamarca e Luxemburgo.

Mais do que uma disputa fiscal bilionária, o julgamento tem o potencial de redefinir a tributação para empresas brasileiras com atuação internacional e impactar diretamente o posicionamento do Brasil frente aos acordos tributários internacionais. Siga com a leitura para entender os pontos mais importantes do processo.

Entenda o contexto jurídico e econômico da tributação internacional

O cerne do debate reside na aplicação de tratados internacionais firmados pelo Brasil para evitar a dupla tributação e sua relação com a legislação tributária nacional. Esses acordos visam eliminar a bitributação da renda e garantir um ambiente mais seguro para investimentos internacionais.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) argumenta que, mesmo que o lucro seja gerado por uma empresa no exterior, ele pertence, em última instância, à controladora brasileira. Assim, defende que tais valores devem ser tributados no Brasil independentemente das regras fiscais dos países onde as subsidiárias operam.

Por outro lado, a Vale sustenta que esses tratados internacionais prevalecem sobre a legislação doméstica, impedindo a bitributação. A empresa se apoia no artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), que determina que acordos internacionais devem ter primazia sobre normas internas quando houver conflito. A Vale também argumenta que a bitributação desestimula investimentos internacionais e compromete a previsibilidade e competitividade das empresas brasileiras no cenário global.

Esse embate jurídico entre empresas e a Receita Federal não é recente. Em 2014, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu favoravelmente à Vale, afirmando que os tratados contra a bitributação firmados pelo Brasil com outros países deveriam prevalecer sobre a legislação interna, garantindo segurança jurídica às companhias que atuam globalmente. Contudo, a PGFN recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), buscando reverter essa decisão com base em precedentes anteriores.

A argumentação da PGFN se baseia no julgamento da empresa Embraco, ocorrido em 2007. Naquele caso, o STF reconheceu a constitucionalidade da incidência do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os lucros de controladas no exterior, mesmo que tais valores não fossem distribuídos à controladora brasileira. O entendimento da União é que essa decisão reforça a legitimidade da tributação independentemente dos tratados internacionais.

A decisão do STF neste caso terá impactos significativos tanto para o governo, que busca manter sua arrecadação tributária, quanto para empresas multinacionais brasileiras que operam no exterior. O desfecho pode determinar se o Brasil continuará a adotar uma política fiscal que respeite integralmente os acordos de bitributação ou se prevalecerá a tributação nacional sobre os lucros obtidos no exterior.

Os votos no Supremo e as divergências interpretativas

No julgamento do caso Vale, os votos dos ministros até agora revelam uma profunda divisão sobre o tema:

  1. Ministro André Mendonça (relator): Argumentou que os tratados internacionais devem prevalecer sobre a legislação interna em casos de conflito, conforme o artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN). O ministro enfatizou que a dupla tributação desestimula investimentos e compromete a previsibilidade jurídica das empresas. Mendonça também destacou que a prática de tributar os lucros de subsidiárias estrangeiras pode minar a confiança de investidores e prejudicar a competitividade das companhias brasileiras no cenário global. Além disso, ele ressaltou que a equivalência patrimonial utilizada para justificar a tributação não deveria ser interpretada como um fato gerador de imposto, uma vez que sua finalidade original é contábil e não fiscal.
  2. Ministro Gilmar Mendes: Divergiu do relator e defendeu a tributação dos lucros da controladora brasileira independentemente da distribuição desses valores. Segundo ele, a renda tributável se forma no momento em que a controladora brasileira percebe um acréscimo patrimonial, justificando a incidência do IRPJ e da CSLL. Para Mendes, o Brasil não pode abrir mão de receitas fiscais relevantes ao isentar a tributação sobre lucros obtidos no exterior. Ele também apontou que a interpretação favorável às empresas poderia criar uma brecha para que grandes corporações brasileiras estruturem seus negócios de forma a minimizar a tributação de maneira artificial, o que poderia levar a uma perda substancial de arrecadação para o governo federal.
  3. Ministro Alexandre de Moraes: Manifestou-se favorável à tributação do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os ganhos no exterior de subsidiárias e afiliadas de companhias brasileiras.

Com isso, o placar ficou em 2 a 1 em favor da União. No entanto, o ministro Kássio Nunes Marques solicitou mais tempo para análise, resultando na suspensão do julgamento.

Impactos econômicos e empresariais da decisão do STF

A decisão do STF terá consequências de longo alcance para o ambiente de negócios no Brasil. Caso a Corte decida pela prevalência dos tratados internacionais, a União poderá perder cerca de R$ 22 bilhões em arrecadação, conforme estimativa do Projeto de Lei Orçamentária de 2025. Por outro lado, uma decisão favorável à Fazenda Nacional poderá colocar as empresas brasileiras em desvantagem competitiva no cenário internacional, desestimulando investimentos e incentivando a realocação de operações para países com regimes tributários mais favoráveis.

Além disso, o julgamento levanta uma questão crucial sobre a segurança jurídica das empresas que operam sob a premissa da validade dos tratados de bitributação. Se a decisão final contrariar esses tratados, o Brasil pode comprometer sua reputação internacional, dificultando futuras negociações e atração de investimentos estrangeiros.

A importância da segurança jurídica e da competitividade internacional

Empresas multinacionais buscam previsibilidade e um ambiente regulatório estável ao decidir onde investir e expandir suas operações. A incerteza sobre a aplicação dos tratados internacionais pode desencorajar novos negócios e afetar a capacidade das empresas brasileiras de competirem no exterior.

Além disso, um sistema tributário que respeite os acordos firmados internacionalmente pode tornar o Brasil um destino mais atraente para investimentos estrangeiros. A clara definição sobre a tributação de lucros no exterior permitirá que empresas tomem decisões estratégicas mais assertivas e minimizem riscos financeiros e jurídicos.

Possíveis desdobramentos e reflexos no setor empresarial

Independentemente do resultado do julgamento, a decisão do STF estabelecerá um precedente crucial para futuras disputas tributárias envolvendo empresas brasileiras com atividades internacionais. Além disso, o posicionamento da Corte pode influenciar a política tributária do país, impactando a forma como o governo arrecada tributos e gerencia suas contas públicas.

Se a tese da União prevalecer, novas autuações fiscais poderão ser aplicadas a outras empresas que operam em cenários semelhantes ao da Vale, como a Petrobras e outras gigantes do setor industrial e financeiro. Por outro lado, um posicionamento favorável à mineradora pode impulsionar um movimento de revisão das regras tributárias nacionais, buscando maior alinhamento com os padrões internacionais.

Outro ponto relevante é o impacto sobre a arrecadação do governo. Estima-se que a não tributação dos lucros de coligadas e controladas no exterior possa gerar um impacto fiscal significativo, levando a possíveis mudanças na legislação para compensar eventuais perdas de arrecadação.

A decisão final do STF, portanto, não apenas afetará diretamente a Vale e a União, mas poderá remodelar o ambiente tributário brasileiro e influenciar a estratégia de internacionalização de diversas empresas.

Conclusão

A ação representa um marco para o direito tributário brasileiro e a segurança jurídica das empresas nacionais com operações no exterior. O julgamento no STF não se limita apenas ao caso da Vale, mas sinaliza para o mercado global o comprometimento do Brasil com tratados internacionais e a previsibilidade das regras fiscais. Empresas, investidores e especialistas aguardam com expectativa o posicionamento final da Suprema Corte, que poderá definir o futuro da tributação de lucros no exterior e seu impacto na economia do país.

A expectativa agora recai sobre os próximos votos no STF e o impacto que essa decisão terá não apenas para a Vale, mas para todas as empresas brasileiras com atuação internacional. O caso Vale vs. União representa um teste de fogo para a política tributária nacional e sua compatibilidade com o sistema global de tributação de renda.

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